Louco

O amor tem desses paradoxos infernais.
Descobri que o beijo ofertado me trouxe seu cheiro mas levou a minha alma.
Demorei para encontra-la se aquecendo no fogo, longas esquinas depois, entre mendigos e sem-tetos. Daqueles que nada tem, mas conhecem perfeitamente a rua e o céu aberto.
Queimava na fogueira as palavras desperdicadas, acumuladas promessas. Menos as que criaram raizes na memória. Para aquelas não haviam jeito. Era penitência e perdão.
Voltei com os braços grudados no corpo, me protegendo do frio. Tropeçava nos desniveis da calçada. E ao começar prestar atenção em cada passo, vi que algo reluzia no concreto. Talvez uma moeda. Um tesouro. Meu dia de sorte, enfim. Na verdade, uma parte brilhante de uma peça que a vida havia me pregado.
Pensei em guardar o souvenir. Mas não me arrisquei ser novamente ludibriado por seu brilho.
Encostei na parede e deslizei até o chão enquanto via o movimento do vento de inverno brincando com as folhas secas.
Vi um velho se aproximar e quase cair no mesmo desnivel que tropecei. Segui em sua direção para ajudar. Pensei, não há novo nem velho para as intermitências da vida e do amor.
Me lembrei de sua última afirmação. “Tudo isso foi loucura”. Mas as palavras do velho cancioneiro* brotaram na mente como lembrando o coração.

Biruta, você me chama, quem sabe não sou?
Concordo até, um coador, não de por café,
Na posição horizontal.
Quero ser e viver assim, tal qual.
Posto que o vento sopra onde quer.

Coador sem fundo,
Sem ter onde nem o que guardar.
Sem poder jamais estar cheio em si mesmo,
Mas que seja existir para orientar
Alguém que vem de lá, vagando a esmo.

*Roberto Diamanso

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